Escrever sempre foi para mim uma paixão, uma obsessão que acompanha a minha vida, seja como terapia para minhas idiossincrasias e demônios interiores, seja como canal de meus amores e forças criativas.
Desde que tenho consciência de mim mesmo, acalento em minha alma um ardente inconformismo, patologia que me levou à filosofia. Não me contento jamais em viver exclusivamente naquilo que Josef Pieper chamou de “mundo do trabalho”, o mundo das utilidades materiais e das técnicas mecânicas. Minha mente, desde sempre, obstina-se em ocupar-se com a reflexão, em vaguear livremente pelas profundezas do sentido, em que a sede de verdade alimenta um escrutínio contínuo de tudo quanto se apresenta à inteligência.
O homem condenado a viver com a consciência desperta, rejeitando a anestesia de uma vida superficial tem na escrita um de seus refúgios desesperados. É preciso escrever, é preciso dar forma ao que borbulha na mente, aos mistérios insondáveis que indignam, horrorizam, acrescentam peso e gravidade, ante os olhares de incompreensão dos “homens ocos” (T. S. Eliot), que apenas vivem sua vida, ignorantes da assombrosa beleza da realidade fora da caverna.
Podemos dizer que o homem de vocação intelectual está condenado a escrever. Os monstros que habitam seu mundo interior não podem ficar guardados. Só a tinta redime a introspecção.
Aos quinze anos de idade, trilhei um caminho sem volta, ao encontrar o que realmente saciava minha obsessão. Foi nessa época que comecei a escrever para o jornal do colégio onde estudava. E então descobri as maravilhas e as delícias do ensaio. Trata-se de meu único e permanente hobby: o texto livre, pelo qual escapam as angústias, as dúvidas, as alegrias e as descobertas de uma alma perdida na perene investigação dos porquês.
Desde então, jamais parei de escrever. Além do que escrevo por trabalho profissional, continuo, há anos, utilizando os recantos da internet para publicar confissões, sonhos, delírios, libelos, chiliques; enfim, compartilhar o pouco que sei, alguns pedaços das inquietações de alguém que ainda mantém o sonho ingênuo de que pensar vale a pena.
É aqui que entra o grande paradoxo do debate público. Na era da velocidade e da fragmentação das mídias digitais, a circulação de ideias vive sufocada num mar de novidades, de polêmicas que envelhecem em menos de um dia, de celebridades que serão ostracizadas amanhã, de milagreirismos de marketeiros e suas ofertas de terras prometidas, de guerras de ego que mascaram uma verdadeira mendicância por publicidade.
Nesse ambiente, é impossível conceber solidamente um pensamento que não seja mera articulação retórica. Estamos no mundo das aparências. As superfícies revoltas e barulhentas escondem o real. Os estímulos incessantes e desordenados despertam os sentidos e adormecem a alma. O confuso labirinto de informações rápidas, fragmentadas e contraditórias não deixa aflorar a inteligência. Somos arrastados para um sensualismo da gratificação momentânea.
Nada do que aparece nessa bolha virtual é real no sentido próprio do termo. A superfície do mar é violentamente revolta, mas as profundezas permanecem em calmaria. O velocíssimo vaivém dos fatos “gravíssimos”, das causas, dos slogans, das batalhas “pela sobrevivência da civilização” é mera distração da realidade que habita as profundezas do ser, que se mantém inalterada e obscura, longe das suspeitas dos incautos perdidos na torre das aparências.
As ideias precisam de fôlego. Precisam do silêncio, da contemplação equilibrada, de um estudo não tentado pela curiosidade das tempestades de eventos passageiros. É urgente afastar-se. É urgente voltar a cultivar as ideias. A semente está afogada entre espinhos e abrolhos que cresceram sem governo. É hora de recuperá-la e buscar-lhe terra fértil.
Por isso, hoje inauguro este cantinho solitário. Será meu refúgio das confusões do dia a dia, dos ruídos industriais, das angústias de um mundo que geme em dores de parto. Aqui, na tranquilidade das águas profundas, deixarei o pensamento circular. Aqui, ficará registrado (ao menos, para mim mesmo) o pouco do inabarcável horizonte da realidade que consegui, com esforços e tropeções, compreender nesses anos que me dediquei à filosofia e à cultura.
Aqui, seguiremos o lema de Léon Bloy: “Não leio jornais. Quando quero saber as novidades, leio o Apóstolo São Paulo”. Buscaremos novidades em Shakespeare, em Dostoiévski, em Bernanos, nos filmes de Hitchcock e de Bergman, viajaremos até a Acrópole e conversaremos com Platão e Aristóteles, entrevistaremos Santo Tomás de Aquino, Kant, Hegel e Heidegger. Há novas Américas a serem descobertas, universos insuspeitados e intermináveis.
Esqueceremos Lulas, Bolsonaros, eleições, celebridades no twitter, a última polêmica que levará alguém a ser “cancelado” até que tudo seja apagado da memória coletiva três dias depois. Nada disso durará. Nenhum chefe de Estado com mandato de quatro anos salvará nem destruirá o mundo. Os profetas da salvação e do apocalipse por meio do engajamento na pauta da vez apenas vendem ilusões. Há uma realidade em que vale a pena viver, em que somos espiritualmente chamados a viver e que não depende de nada disso.
Neste canto de paz, toda visita de boa vontade é bem-vinda. Nada tenho a oferecer senão pedaços da minha alma e do meu coração, preenchidos por aquilo que vivi e aprendi. Deixarei essas luzes aqui, para quem quiser, em qualquer tempo, geração ou lugar. Não escrevo para mudar o mundo, para influenciar nos eventos de amanhã, mas para relatar em crônicas o quanto vi nos caminhos intelectuais pelos quais a vida me conduziu, aquilo que ninguém tirará de mim, pelos séculos sem fim.
Haverá alguém interessado em ler estas confissões de uma alma perturbada? Não sei. Como digo desde o início, não escrevo para trazer nada de útil ao mercado de trabalho. Escrevo porque preciso e na esperança de encontrar outros corações reflexivos, que compreendam estas inquietações, estes dilemas e estes sonhos.
Não tenho remédio para minha vida senão escrever. Você, caro leitor, tem uma escolha de ler ou não. Eu não. Estou condenado a escrever. E cumpro minha sentença com a alegria de quem recebeu uma vocação.
Muita alegria, meu amigo! Suas reflexões serão muito bem-vindas, um alento nesta loucura da internet. Deus te abençoe nesta nova empreitada!
Não quero perder nenhum texto seu!